domingo, 5 de julho de 2015

Cachaça Século VIII: uma boa velhinha de 240 anos


 
Por Renato Pinto Flor

Tem coisas que só quem roda por ai encontra. Entre um boteco e outro, nas estradinhas do sul de Minas Gerais, nós, do moto clube Arcanjos, encontramos um alambique bicentenário numa fazenda que pertence a um sobrinho distante de Tiradentes. Há oito gerações se produz a cachaça artesanal Século XVIII. As instalações são basicamente as mesmas. O barracão de bagaços se mantém erguido com toras e coberto com telhas de barro. A base do moinho ainda é feita de pedras e tocado por uma roda d´água. A fornalha que aquece o alambique é alimentada pelo bagaço da cana e o líquido que pinga do alambique é resfriado por água corrente, desviada de um riacho próximo. Até a cana usada na produção é orgânica e a mesma de anos atrás.

Eles plantam feijão no meio do canavial a fim de enriquecer o solo para o cultivo da cana, sem necessitar de defensivos químicos, mantendo a cachaça o mais natural possível. O Alambique fica na cidade de Coronel Xavier Chaves. O tal coronel era bisneto da irmã de Tiradentes, Antônia Rita da Encarnação Xavier, a cidadezinha fica entre Tiradentes e São João Del Rei; Lá está o Engenho Boa Vista, que produz a cristalina cachaça Século XVIII e é considerado o mais antigo engenho em atividade no país.

Ao entrar no rústico barracão encontra-se, além de toda a parafernália de produção, um balcão de madeira mal iluminado, próximo a um fogão de lenha e um senhorzinho servindo cachaça em pequenos copos e falando sem parar. Do fogão saem linguiças cortadas em rodelas, que são consumidas entre um gole e outro da “marvada”.

Ele conta que o engenho foi construído em 1755 e, desde então, nunca parou de fazer o produto artesanal de boa qualidade. Quando questionado como envelhece o precioso líquido, o simpático senhor diz que sua cachaça não é envelhecida em barris de madeira, "minha cachaça é cristalina, não tem vergonha de ser cachaça". O envelhecimento se dá nas próprias garrafas.

De tanto experimentar a danada, esquecemos de perguntar o nome do sábio velhinho, mas no meio de três ou quatro cachorros que ali vivem, circulam os visitantes e também o Luiz Fernando, herdeiro da fazenda, ou simplesmente Nando e seus dois filhos. Muito simpático nos contou que para beber cachaça é preciso respeitar algumas regras:

1 - Beber apenas em momentos de alegria;

2 - Beber apenas acompanhado de amigos;

E ainda conta, que visitado por um hepatologista cachaceiro, aprendeu que o fígado  tem limites e ensina uma fórmula para beber com saúde. Deve-se observar a densidade do álcool que é de 0,8 kg/m³, multiplicá-la pelo teor alcoólico (% Gay Lussac) e depois pelo volume (ml) consumido. Para um consumo saudável o resultado da conta deve ser menor que 20, caso o cálculo refira-se há um dia ou menor de 100 se aplicado ao consumo semanal. Vale lembrar que o volume é cumulativo.

A cachaça realmente é diferenciada, não sei se bebida fora daquele contexto será tão saborosa, mas o fato é que a situação transporta quem está por ali para um distante passado onde não era pecado beber cachaça nem comer linguiça usando as próprias mãos.

Integrantes do moto clube Arcanjos não só apreciaram como
ouviram palestra sobre a cachaça Século VIII